quinta-feira, 11 de abril de 2024

Das Arlequinadas do Pierrô Aletrist: Entrada dos Scaramouches, Trivelins e Arlequins

 

A Entrada dos Scaramouches, Trivelins e Arlequins

 

E no final da estória o circo ardeu.

Às cinzas todos os palhaços.

Os trapezistas alçados às estrelas.

Os acrobatas arrebatados aos céus em bastões coloridos.

E a audiência inteira desintegrou-se num oh!

 

Mas do oco de uma cartola tudo se refez.

Circo Movente Fênix apresenta:

‘Baile dos Palhaços sem Máscaras’

- Única Apresentação –

 

Que nada!

Dia seguinte era a mesma coisa.

O circo permanecia enquanto a caravana.


Pegava fogo, se erguia

e não sobrava ninguém

para declarar moral na estória.

 

Se olhássemos bem, todas as noites

uma constelação formava

um bigode branco sorrindo estrelas

na lona azul do céu.

 

Talvez fosse Deus

e ainda assim era nada.

 

                                       Akko 9/4/24



quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

A Tempestade

 


A Tempestade

 

Trouxe a fome com um pão embaixo do braço

acalentado como um filho que se cria aos poucos

com águas de chuva e esgares das neblinas nos picos cinzentos.

 

Ouvi por sussurros nos degraus do bazar próximo ao minarete

que dois cegos brigaram por uma moeda atirada por malícia

e que mercadores riram enquanto se engalfinhavam

como dois gafanhotos para não se perder de seus golpes surdos.

 

Enquanto subia, raios anunciaram em faíscas ameaçadoras

o estrondo de trovões arrastando móveis sobre nuvens negras.

 

Distribuí minha clemência àqueles que me viram com o fardo

e correram como sombras seguindo meus passos pelas paredes

até que a tempestade veio e lavou os degraus, as ruas e teu sangue negro

e a vida se viu limpa e imaculada novamente por alguns segundos

não sem provar antes da gargalhada sinistra que vinha de dentro dos muros

em idiomas confusos repletos de orgasmos.

 

Meu coração foi meu apenas por alguns instantes...

 

A tempestade que lava tuas pedras não apaga o pecado

de ser a santa mais cobiçada e mais profana

pela sagrada ambição dos que dizem te amar.

Antes, eles te apedrejarão e te devorarão na sanha mais animalesca

que um dia puderam inventar em suas mentiras impronunciáveis,

hálitos de pedra onde até o nome de Deus

se esconde na calúnia de suas línguas.

 

E depois de declarada a guerra…

 

Haverá uma réstia de esperança perdida atrás de alguma porta?

Alguém abrirá finalmente esses portões para o cadafalso dos canalhas?

 

Soarão as trombetas do apocalipse apenas na forma de alarmes de bombardeio?

 

Seremos nós a cantar, alheios ao presságio de outras vidas,

a recorrência de pesadelos que esquecemos nos buracos negros,

de onde nem o pior dos hipócritas renascerá um milímetro melhor?

 

Minha clarividência é um tornado em face à cegueira estéril

de sua guerra planejada, de seu sangue vendido poluído de infernos.

 

Em seu campo minado minha santidade calça botas disfarçadas

que imprimem pegadas de caipora e não deixam pistas para os lobos.




terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Águias em Nagarkot

 

Águias em Nagarkot


As montanhas são budas

telepaticamente no infinitivo.


E palavras, curtas demais para expressar

a magnitude da larga cordilheira de Langtang Himal

recortando o horizonte com sua espada de luz e claridade.


Mas cento e oito contas de estrelas

podem facilmente refletir a amplitude do céu

que as águias riscam em oração todos os dias

pela coragem e envergadura de suas almas,

espelho de nossa face nas alturas, zênite do espírito:

Samantabhadra e Manjushri.


Nagarkot 6/12/23



quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Ápex

 

Ápex


A doce voz que cantava canções de acordar

para despertar a eternidade no verso dos meus dias

tem sussurrado um fio de esperança que permanece inaudível

porque os dias estão surdos e afogados

numa fumaça turva e confusa de destroços.


Com o coração pelo avesso

pulsa minha alma à procura de sorrisos

que não ousam brotar mesmo em silêncio

e assim meus sonhos dormem esquecidos.


Mas atento, ouço sementes germinando próximas à superfície

como um segredo prestes a ser revelado entre as pedras.


Vulcões ocultam luz em suas entranhas

onde o fogo dos deuses ferve o tempo num ventre negro

que pergunta pelo halo azul por onde a lava responde.


Tudo mais próximo, o nirvana e o caos

num emaranhado claustrofóbico de fios elétricos junto às estupas,

o legado estável de um beijo, dado aos homens que insistem

em continuar sua via crucis de sangue e terremotos.


Que indulgentes, ergam-se da lápide de si mesmos

e celebrem a criança perdida finalmente encontrada!


E principalmente, que permitam jardins ao redor das indústrias e automóveis!


Katmandu, 29 Novembro 2023




terça-feira, 8 de agosto de 2023

À sombra dos ciprestes de Van Gogh

 

À sombra dos ciprestes de Van Gogh


Todo aquele que tiver um obelisco na alma tocará os céus.


No entreato de infinito e fim

talhar a pedra com formas de múltiplos seres alados

tornará os deuses mais propícios e trará o bálsamo das nuvens de chuva

para amaciar o solo de onde se erguerá o cipreste do deserto.


Esta canção é sobre amanheceres inegáveis

de luzes impiedosas, heróglifos translúcidos

e pássaros convictos de claridade

que das cinzas incandescentes,

celebrarão numa atmosfera de espadas e encantos

a conquista das perdas de todas as ilusões, miragens e mentiras.


A rocha de seu talhe não será uma esfinge estática misteriosa.


Ela elevará meu sangue até recônditos distantes

e correrá veloz pelas areias devorando enigmas vermelhos

com seus dentes de sabre e de neblinas.


O leão de dentro ruge meteoros riscando um céu de antigas paisagens

enquanto às margens de um pântano de cicatrizes

com o gancho sábio e mordaz de seu bico

um íbis recolhe calmamente do lodo submerso

o que nutre a viagem silenciosa de seus voos sobre os lagos plácidos,

epigrama de incisões na pedra bruta

perante a qual nem sequer uma folha das margens se move por descuido.





quinta-feira, 27 de julho de 2023

A Pérola Negra

A Pérola Negra


De binóculo sob o céu

um homem só, diante do mar.


E o mar que se vê nunca é o bastante.


Quando o olhar alcança o mais remoto de sua extensão,

além da ilusão do horizonte visível

um absoluto continua distâncias que lentes não concebem,

milagre que não vemos, certeza onipresente que não permite

adiar a viagem por um segundo sequer.


Era uma vez um geômetra clarividente

que enxergava a mentira das proporções nos mapas

indicando o tamanho de países e continentes.


Enquanto isso

o sol que brilha sobre o movimento das águas

cria serpentes móveis de luz nas areias


Pinctada margaritifera e a náusea do nácar:

uma resposta iridescente…

O Belo sempre a postos,

alerta através do conflito.

Tal é a viagem e o mar sem leis

onde nem todos os barcos têm nome ou subtítulos…


Uma ostra de lábios negros cantava

que o divino é um mergulho para o alto,

sagrado pelo oceano a que sempre pertenceu:

vida de voos traduzindo o coração em suas asas.


O pássaro é a cor do instante.






sexta-feira, 26 de maio de 2023

Cadernos de Viagem: Do Porto mais seguro sem âncoras

 

Cadernos de Viagem: Do Porto mais seguro sem âncoras


Seja nos largos abismos dos vales ou no mar horizontal

a visão panorâmica vem de dentro

para encontrar sua face externa refletida

latejando em cada compasso de um coração sem neblinas.


Calam-se os astrônomos

perante o insubstancial Nada

de sabor único, indelével,

pervasivo e espontaneamente presente.

O velho Nada sem qualquer origem dependente…


A forja implacável dos anjos se vale muitas vezes de espinhos

para produzir ressurreições clarividentes.